quinta-feira, 3 de junho de 2010

Ciência como crença?

Se, já a séculos,  é impossível para um físico dominar todo o desenvolvimento da Física, o que temos a dizer da interação de  uma pessoa comum, não-especialista, com a ciência em geral? A Física hoje em dia exige uma especialização cada vez maior, pois para estar pesquisando na fronteira do conhecimento, técnicas cada vez mais particulares e rebuscadas são necessárias, o que cria uma evidente "segregação" dentro da Física (e de outras ciências também!), impensável nos seus primórdios.

Há algum tempo atrás, o número de físicos que tinham contribuições em múltiplas áreas da Física (vide Gauss, Einstein etc) era bastante superior ao número de hoje, que tende a zero. Raríssimas são as exceções. Atualmente o conhecimento produzido e acumulado é 
absurdamente grande, e para se produzir algo relevante, a especialização é quase uma lei no mundo acadêmico. Se acompanhar e ler os resumos dos arXiv já é bastante complicado e toma bastante tempo, imagine dominar as tecnicidades de cada área... É impensável, definitivamente.

 Agora mudemos nosso referencial para a "pessoa comum"  citada acima. O que os cientistas "aconselhamos" às pessoas? Que elas devem possuir senso crítico, 
questionar as coisas que até elas chegam, debater, confrontar idéias, procurar  entender e aprender como as coisas ao seu redor funcionam etc etc. Já perceberam a enrascada? Há um gap crescente entre o conhecimento científico de uma pessoa comum (que em média são praticamente analfabetas científicas) e o conhecimento científico produzido e, eventualmente, transformado em alguma espécie de tecnologia (veja que deixo de lado do raciocínio o conhecimento científico que a priori não gera algo "que se possa vender", e que portanto não chega à população em geral). Tomemos como exemplo a televisão. Entre a descoberta dos raios catódicos (1829) até a invenção da TV decorreram-se cerca de 98 anos. Da descoberta dos raios catódicos até hoje, 181 anos. Pegue aleatoriamente 10 pessoas na rua e pergunte-as como funciona uma TV CRT. Quantas acertam? Pois é... O resultado com um simples rádio ou o motor de combustão interna de um carro (cujos primeiros esboços vieram de Al-Jazira, Mesopotâmia em  1206) também é lamentável. Agora imagine o desempenho dessas pessoas quando o assunto é, por exemplo, a supercondutividade ou superfluidez.

Pegue um Astrônomo e peça-o para descrever matematicamente (porque essa é a linguagem na qual se expressa a Física) um 
condensado chiral. Ok, ele sabe que toda a cromodinâmica quântica  (QCD) foi construída tendo como alicerce o método científico. Mas ele sabe construir passo a passo a QCD e demonstrar sua validade experimental? É mais provável que ele diga que essa não é a área de atuação dele, e portanto não cabe a ele possuir tal conhecimento. Mas certamente ele afirmará veementemente que a QCD é uma teoria corroborada experimentalmente e que foi construída por cientistas de peso etc etc. Como ele pode estar tão certo disso?

O que quero dizer é que é praticamente impossível por em prática o que os cientistas pregamos. Na minha opinião, a ciência contemporânea à medida que avança tende ao patamar de 
crença, em um primeiro momento para as pessoas comuns, sem treinamento científico e, em um segundo momento, para os próprios cientistas não especialistas daquela determinada área. Uma autoridade fala (o especialista, no caso), e você acredita, acata. Na verdade, a maioria das pessoas nem contato com o especialista tem. Isso é raríssimo. Possuem apenas os meios de comunicação de massa como intermediário entre a produção científica e o seu cotidiano. Nesse processo são geradas distorções grotescas do conteúdo científico original o qual se pretendia transmitir, mas isso é assunto prum outro post.

Deixo claro aqui que em hipótese alguma estou igualando a "
crença" científica à crença religiosa. As religiões se baseiam em absolutamente nada para criar e propagar suas crenças, ao contrário da ciência, que tem como base o bom e velho (e já citado) método científico. A religião narra o mundo como as pessoas gostariam que ele fosse, a ciência tenta narrar como a natureza se impõe a nós. Acho que o efeito "coarse-grained" da ciência contemporânea emerge como mais um elemento no sistema de crenças da sociedade em geral, e isso está extremamente visível atualmente com essa hype em torno do LHC. Todo mundo aprende um monte de palavrinhas novas legais, as repetem por aí, memorizam umas frases de efeito que soam bem e que impressionam desavisados etc etc... Mas e aí? Será que essas pessoas sabem realmente o que estão falando ou apenas acreditam? Talvez caiba uma generalização para a célebre terceira lei de Arthur C. Clark:
"Qualquer desenvolvimento  científico, que nem precisa ser tão avançado, é em geral indistinto de magia".

Ps.: Não linkei nada do post, porque, como diria Jaiminho, quero evitar a fadiga.



Até a próxima!

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